A
nova lei de arbitragem e os contratos de adesão
CARLOS
ALBERTO ETCHEVERRY
Juiz
de Direito em Porto Alegre. Titular do 3º e 4º Juizados Especiais Cíveis de
Porto Alegre.
Foi
publicada no Diário Oficial da União, em 24 de setembro deste ano, a Lei nº9.307,
que regula o juízo arbitral.
Encontrando-se
já em vigor, parece conveniente que, desde logo, sejam postos em discussão
alguns aspectos que me parecem fadados a gerar polêmica. Refiro-me,
especificamente, à possibilidade de inserção de cláusula compromissória em
contratos de adesão, prevista no art. 4º, § 2º, da mencionada lei. Esta
modalidade de contrato é utilizada em parcela significativa das relações de
consumo; basta pensar nos contratos bancários, com suas inúmeras subespécies,
e nos de locação, aos quais se aplicam analogicamente, sempre que a relação
jurídica se forme pela adesão a condições negociais gerais, as disposições
atinentes aos contratos de adesão contidas no Código de Defesa do Consumidor.
1.
A cláusula compromissória - conceito
É
facultado às partes, em qualquer contrato, convencionar que os litígios que
possam surgir relativamente ao mesmo sejam submetidos à arbitragem, conforme
dispõe o art. 4º da Lei nº9.307/96, mediante a inserção, no instrumento
negocial ou em apartado (§ 1º), de cláusula compromissória.
A
cláusula compromissória, a par de documentar a vontade das partes de terem os
litígios derivados do contrato resolvidos por arbitragem - ante litem, portanto
-, pode estar acompanhada de disposições atinentes às regras relativas à
instituíção e processamento da mesma (art. 5º). Faculta-se aos estipulantes
que façam remissão, para tal fim, às regras "de algum órgão arbitral
ou entidade especializada" (idem), à qual poderão delegar poderes para
indicar o árbitro que irá dirimir o litígio - possibilidade que é
explicitada no art. 10 da Lei nº9.307/96.
Entenda-se:
regras formais, que disciplinam o processo de arbitragem, que compreende a sua
instituição - precedida do comunicado da intenção de dar início à
arbitragem -, o estabelecimento de data e local para a firmatura do compromisso
arbitral e a regulamentação dos procedimentos a serem seguidos para decisão
das questões incidentais e da controvérsia propriamente dita, comunicação
dos atos etc.
Também
poderá a cláusula compromissória dispor sobre a pessoa ou pessoas que atuarão
como árbitros, como se infere da leitura do § 4º do art. 7º: "Se a cláusula
compromissória nada dispuser sobre a nomeação de árbitros, caberá ao juiz,
ouvidas as partes, estatuir a respeito, podendo nomear árbitro único para a
solução do litígio."
A
opção pelo direito aplicável ao caso ou pelo julgamento por eqüidade,
facultados no art. 2º da Lei nº9.307/96, é matéria que deve ser objeto de
acordo quando da celebração do compromisso arbitral, que "é a convenção
através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais
pessoas (...)" (art. 10). Ou seja: ao firmarem a cláusula compromissória,
os contratantes tem em mente a possibilidade de surgir, futuramente, um litígio.
Deliberam, então, sobre a forma como será solucionado: pela justiça comum ou
por arbitramento. Ocorrida a hipótese que deu origem ao pacto e estando de
acordo quanto à pessoa que irá atuar como árbitro no caso concreto, celebram
o compromisso a que se refere o art. 10 da lei sob exame. Apenas nesse momento,
tendo conhecimento da exata extensão e da natureza do conflito, terão condições
de decidir sobre o direito aplicável e a remuneração do árbitro, por exemplo.
Resumindo:
a cláusula compromissória expressa a vontade das partes de terem os litígios
decorrentes do contrato a que se refere submetidos ao juízo arbitral e pode
conter, acessoriamente, apenas disposições relativas à escolha do árbitro e
de normas procedimentais.
Essas
conclusões, contudo, são válidas no tocante à contratos em que ambas as
partes encontram-se em igualdade de condições, no que diz respeito à definição
do conteúdo contratual. Tratando-se de contratos de adesão, o predisponente
das condições negociais gerais não dispõe do poder de impor a cláusula
compromissória, em face da inconstitucionalidade, sob este aspecto, da Lei nº9.307/96.
É o que se verá a seguir.
2.
Questão preliminar: da inconstitucionalidade do § 2º do art. 4º da Lei nº9.037/96
Dispõe
a Constituição Federal, no capítulo que regula os direitos individuais e
coletivos, que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito" (art. 5º, XXXV).
Entenda-se:
não excluirá, por qualquer meio.
Permitir a inserção de cláusula compromissória em contratos de adesão
equivale a subtrair da apreciação do Poder Judiciário uma enorme quantidade
de demandas. (É suficiente que se tenha em conta que a imensa maioria das relações
de consumo é regulada por condições negociais gerais, cujo conteúdo é
estabelecido pelo fornecedor, no seu próprio interesse.) E tudo isso por ato de
vontade cru e imodificável de apenas um dos contratantes, situação que em
nada se altera pelo fato de o aderente concordar expressamente em documento
anexo ou dar seu visto à cláusula compromissória. Pensar o contrário é dar
curso a uma ficção insustentável: imagine o leitor qual seria a resposta do
gerente do banco a quem fosse proposta a abertura de um contrato de conta
corrente sem a adesão ao pacto ora examinado.
A
prevalecer a norma legal sob exame, demandas verificadas em setores inteiros da
economia passariam a ser decididas por particulares destituídos das garantias
da magistratura, sem a possibilidade de recurso e, o que é pior, com a forte
possibilidade de comprometimento dos árbitros com os interesses das partes
economica e politicamente mais fortes nos litígios, já que por elas teriam
sido indicados. Quanto a este último aspecto, alguém poderia supor, em sã
consciência, que o árbitro que se mostrasse avesso aos interesses do
predisponente da cláusula compromissória continuaria sendo indicado ou
manteria sua popularidade no meio empresarial?
A
institucionalização da hegemonia do poder econômico resultante da faculdade
instituída pela Lei nº9.307/96 é, como se vê, um preço demasiadamente alto
a pagar pela celeridade na solução dos conflitos. O bem jurídico sacrificado
- princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional - possui valor
infinitamente maior do que a aludida celeridade. A paz social resultante da atuação
de árbitros impostos por quem detém o poder econômico seria algo como a paz
dos cemitérios, se comparada à que resulta da aplicação da justiça por juízes
togados. Estes últimos, para assegurar sua isenção, dispõem das garantias da
vitaliciedade, inamovibilidade e da irredutibilidade dos seus vencimentos, que são
fixados por lei e pagos pelo Estado, e não por um determinado empresário. Não
são escolhidos e impostos, inapelavelmente, pela parte que tem interesse na
solução do conflito: obtêm o acesso ao cargo por concurso público, sistema
que, se não assegura a admissão dos melhores, pelo menos impede o acesso dos
profissionais sem a qualificação mínima necessária.
A
tentativa de revitalização do juízo arbitral empreendida pelo legislador
atropelou um dos mais importantes princípios constitucionais e deu ensejo à
substituição do direito estatal pelo direito das corporações. Nesse processo,
foram atingidos, ainda, outros bens jurídicos protegidos pela Constituição: o
direito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa e o princípio
do juiz natural.
Como
de hábito, não se tocou nas verdadeiras raízes da morosidade da prestação
jurisdicional. A par do muito que se poderia fazer pela simplificação das
regras processuais, nenhuma iniciativa foi tomada no sentido de reduzir, por
exemplo, a baixíssima relação de juízes por habitante, que é, no Brasil, de
um para 26.400 habitantes, em flagrante contraste, para dar apenas um exemplo,
com a Alemanha, onde o índice é de um para 3.000. Não bastando isto, observa-se
a tendência de reduzir a participação do Poder Judiciário nos orçamentos
estaduais e federal. Diante destes fatos, tudo indica que buscou-se,
propositalmente, completar o processo de terceirização da justiça, já
iniciado, bem mais recatadamente, com a criação dos Juizados Especiais Cíveis.
A
invalidade da cláusula compromissória em contratos de adesão, contudo, é
resultado a que se chega inclusive pela aplicação de regras de direito
infraconstitucionais.
3.
Cláusula compromissória em contratos de adesão
3.1.
Contrato de adesão. Evolução histórica.
É
crescente, nas legislações mais modernas, o reconhecimento de limitações à
vontade das partes como fonte das obrigações. Essa tendência está radicada,
resumidamente, na visão do direito como instrumento para a promoção das relações
interindividuais com base na solidariedade e cooperação mútua, princípios
incompatíveis com condutas ineqüitativas.
Como
causa desse fenômeno poderia ser apontada a necessidade de introduzir um
contrapeso ao modelo contratual resultante da produção e das trocas econômicas
massificadas. Nesse contexto, surgiu como técnica contratual predominante, a pré-formulação
do conteúdo dos contratos, como forma de agilizar o tráfico econômico, e até
mesmo de viabilizá-lo, uma vez que, na prática, a negociação individualizada
simplesmente não seria possível.
Essa
modalidade de contrato, entretanto, faculta à contraparte apenas a adesão ou a
recusa de contratar. A opção pela primeira alternativa implica aceitar um
regime contratual que favorece apenas os interesses do predisponente. Nem sempre
a última opção é possível, por outro lado, dada a necessidade de adquirir o
bem jurídico que é objeto do contrato; além disso, o aderente provavelmente
se veria colocado diante de condições negociais similares, caso buscasse
contratar com outra pessoa.
Não
há como falar, assim, em liberdade contratual. Ou, mais propriamente, em
equivalência de poder de negociação. A par disso, a predisposição do conteúdo
dos contratos tem como efeito, com a derrogação sistemática das regras de
direito supletivas, a criação de uma ordem jurídica paralela à estatal,
inteiramente despida da preocupação de conciliar os fins individuais e sociais.
Não
tardaram a surgir, diante disso, legislações destinadas a coibir práticas
abusivas - em geral inseridas no âmbito da defesa do consumidor, mas nem sempre:
a AGB Gesetz alemã, de 1976, é aplicável a todos os contratos -, geralmente
antecedidas por um período de sedimentação jurisprudencial, durante o qual os
tribunais buscaram socorro em princípios gerais do direito, tais como a boa-fé
objetiva e a ordem pública.
3.2.
O contrato de adesão no Direito brasileiro.
A
nova modalidade de contrato encontrou regulamentação pela primeira vez, no
direito brasileiro, no Código de Defesa do Consumidor, que conceituou o
contrato de adesão como sendo "cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela
autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de
produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar
substancialmente seu conteúdo." A disciplina ali estabelecida, por
evidente analogia, aplica-se às condições negociais gerais estabelecidas fora
do âmbito do direito do consumidor.
A
definição legal abrange, como se vê, tanto os contratos com o conteúdo pré-determinado
pela administração pública, como é o caso dos de seguro, afetos à
Superintendência dos Seguros Privados, como aqueles cujas cláusulas tenham
sido estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor.
Está
implícita na definição - e é o traço comum entre os contratos cujas cláusulas
tenham sido aprovadas pela "autoridade competente" e os demais - a pré-formulação
das cláusulas, as condições negociais gerais, com vistas à sua aplicação
futura nas relações com uma coletividade indeterminada, sem qualquer ligação
com uma relação jurídica concreta.
É
precisamente essa característica que denota a superioridade negocial do
fornecedor. A determinação prévia do conteúdo contratual serve não apenas
para otimizar sua atividade econômica, no tocante à eliminação do tempo que
seria gasto com negociações individuais, como também à configuração do
regime que lhe é mais favorável. Disso deriva o que se poderia chamar de
rigidez contratual, ou seja, a virtual imodificabilidade do contrato na relação
negocial concreta, pela sua natureza modelar.
É
irrelevante, para a caracterização do tipo contratual, a autoria do seu texto,
bastando que constitua a exteriorização da vontade do predisponente. Pouco
importa que este tenha se servido de modelos elaborados por outros fornecedores
ou por associações de classe.
Também
podem ser enquadrados no conceito de contrato de adesão aqueles que tenham tido
suas cláusulas estipuladas apenas pelo fornecedor, para o ato, tendo em vista
um específico consumidor, uma vez que a lei, na segunda hipótese contida no
art. 54, omite a presença da generalidade e abstração, que caracterizam as
condições negociais gerais. É suficiente que sejam as cláusulas "estabelecidas
unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor
possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo."
Estão
compreendidos na definição, ainda, sob o aspecto formal, tanto os contratos em
que se utilizam formulários como aqueles datilografados, manuscritos ou
impressos por qualquer outro meio, contanto que baseados, estes últimos, em
modelos de uso corrente pelo predisponente ou pela categoria econômica da qual
faz parte e apresentados para aceitação em bloco ou rejeição. O fato de
serem utilizados formulários, assim, apenas fornece uma evidência mais segura
de que o intérprete se encontra diante de um contrato de adesão, não
constituindo requisito para que seja qualificado como tal.
3.4.
Inaplicabilidade da Lei nº9.307/96 aos contratos disciplinados pelo Código de
Defesa do Consumidor.
Em
princípio, seria o caso de restringir o exame aos contratos de adesão que não
tenham por objeto relação de consumo. Afinal, comina o CDC a pena de nulidade
absoluta à cláusula que determine "a utilização compulsória de
arbitragem" (art. 51, VI). Cumulativamente, o projeto que deu origem à Lei
nº9.307/96 previa, expressamente, a revogação desse dispositivo legal, com a
explícita intenção de generalizar a utilização da cláusula compromissória.
Seria lícito imaginar - até mais do que isto -, recorrendo à mens legis, que
remanesceria a vedação contida no CDC.
O
fato, contudo, é que o estatuto legal mais recente, da forma como foi redigido
o § 2º do art. 4º, não consagrou essa exceção, também aí se manifestando
a mens legis. E como a antinomia tem lugar entre duas leis especiais, não
faltarão os que concluam que a mais recente derrogou implicitamente a mais
antiga. A estes se poderá objetar que a lei mais moderna, por abrir exceção
ao monopólio estatal da justiça, deve ser interpretada restritivamente, só se
podendo admitir que derrogou norma de ordem pública, contida em lei igualmente
de ordem pública, se o tivesse feito expressamente, posição que é a mais
correta.
Sendo
possível que se travem infindáveis discussões sobre esta matéria, parece
mais prudente, no exame que se segue, levar em conta a possibilidade de que
venha a prevalecer a hipótese mais sinistra.
Além
disso, estende-se o regime legal atinente às cláusulas abusivas nos contratos
de consumo, geralmente inseridas em contratos de adesão, aos pactos sujeitos à
disciplina do direito comum, que nada dispõe sobre o emprego de condições
negociais gerais. A diferença de regimes em situações análogas "funda",
por assim dizer, uma lacuna de direito no tocante aos últimos, autorizando o
emprego da analogia para o seu preenchimento. Não poderia ser de outra forma:
situações ou relações da mesma espécie, ou com o mesmo significado, devem
receber o mesmo tratamento legal, em atendimento ao princípio da não-contradição
axiológica.
3.5.
A cláusula compromissória no contrato de adesão: limites dos poderes de
predisposição do conteúdo contratual.
A
eficácia da cláusula compromissória, em contratos de adesão, pressupõe a
concordância expressa do aderente, em (a) documento apartado, ou, (b)
encontrando-se a convenção no corpo do contrato e desde que esteja em negrito,
com o lançamento de visto ou assinatura "especialmente para essa cláusula."
(art. 4º, § 2º)
Estabelecendo
essas condições, reconheceu o legislador que a concordância em submeter os
litígios que versem sobre direitos disponíveis à arbitragem de particulares
constitui uma limitação de direito,
especificamente do direito de buscar a tutela do Poder Judiciário, daí
resultando, já na partida, a inexistência do duplo grau de jurisdição (art.
18).
Mas
não só isto. A leitura atenta da Lei nº9.307/96 permite encontrar outras
limitações importantes:
a)
a recusa do árbitro, por impedimento ou suspeição, é julgada pelo
próprio excepto (art. 15). Desacolhida a exceção, somente poderá ser
reexaminada se proposta a ação anulatória a que se refere o art. 33 da Lei nº9.307/96,
ou em embargos do devedor (art. 33, § 3º);
b)
com a possibilidade de julgamento por eqüidade (art. 2º, caput) ou de escolha
do direito aplicável ao caso (art. 2º, §§ 1º e 2º), possibilitar-se-ia ao
árbitro afastar a incidência de normas do direito positivo - excetuadas as de
caráter imperativo - que, eventualmente, seriam mais favoráveis ao consumidor,
em se tratando de relação de consumo, e mesmo quando não fosse este o caso;
c)
o juízo arbitral é privado, embora a lei estabeleça que o árbitro, no exercício
de suas funções, equipara-se ao funcionário público, para os efeitos da
legislação penal (art. 17). Isto significa que os serviços por ele prestados,
da mesma forma que as despesas feitas com a instrução, deverão ser custeadas
pelas partes. Com isso, subtrai-se-lhes, por exemplo, a possibilidade de verem a
demanda apreciada nos Juizados Especiais Cíveis, instituídos pela Lei nº9.099/95,
cujo art. 54 institui a isenção de "custas, taxas ou despesas" em
primeiro grau de jurisdição.
Tais
conseqüências já não seriam desprezíveis na análise de contratos
livremente negociados. A derrogação da competência judicial em contratos de
adesão, somada à simultânea escolha do árbitro e de regras procedimentais,
é alarmante e, pelo grau de desequilíbrio entre as partes que institui, com
todas as conseqüências daí decorrentes, autoriza o enquadramento da cláusula
compromissória entre aquelas que "estabeleçam obrigações consideradas
iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam
incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade" (Código de Defesa do
Consumidor, art. 51, IV).
Como
já se viu, a característica essencial das condições negociais gerais é sua
imodificabilidade. O aderente tem apenas duas opções: aceitá-las em bloco ou
desistir da celebração do negócio jurídico. Não existe a possibilidade de
negociação. A notoriedade dessa situação chega ao ponto de fazer com que
praticamente ninguém leia na íntegra os contratos de adesão - quando isso é
possível sem desconforto visual significativo, dada a reduzida dimensão das
letras -, pois seria inútil. Apenas posteriormente, sobrevindo alguma
vicissitude na relação negocial, as pessoas se dão conta da ineqüitatividade
dos pactos que celebraram.
De
qualquer forma, a adesão à cláusula compromissória quando sequer existe a
perspectiva de um litígio encontraria o aderente com uma disposição de espírito
que não lhe permite medir, devidamente, as graves conseqüências dos seus atos.
Isso só seria possível se tivesse conhecimento do inteiro teor da Lei nº9.307/96,
cuja compreensão já não é tarefa fácil para um profissional do direito.
Suponha-se,
porém, que tenha plena consciência de que da sentença arbitral não caberá
recurso; de que terá de concorrer para o custeio da instrução, quando poderia,
por exemplo, apresentar sua pretensão perante os Juizados Cíveis Especiais,
onde tal não ocorre; e de que a apreciação da demanda por um árbitro nomeado
pela parte contrária não é exatamente uma garantia de imparcialidade. Ainda
assim se curvará à imposição do predisponente das condições negociais
gerais, pois será inútil pretender sua exclusão e, ademais, como é próprio
da natureza humana, tenderá a ver como remota a possibilidade de um litígio.
Particularmente
grave será o desequilíbrio entre as partes se na cláusula compromissória o
estipulante já fizer a indicação de árbitro. A invalidade de tal convenção
advém, já em primeira linha de raciocínio, do conflito com o princípio
basilar contido no art. 13, caput, da Lei nº9.307/96: o árbitro deve gozar da
confiança de ambas as partes.
Inadmissível, por conseguinte, sua imposição por quem tem o poder de definir
o conteúdo do contrato, sob pena de desatendimento do preceito contido na
mencionada norma. A indicação de árbitro na própria cláusula compromissória,
por conseguinte, só é possível quando resultante de tratativas realizadas
entre partes com igual poder de negociação,
condição que não se verifica nos contratos que se aperfeiçoam pela adesão a
condições negociais gerais.
Ademais,
é evidente que os critérios utilizados nessa indicação nada terão a ver com
o objetivo de assegurar a apreciação serena e imparcial da lide: a confiança
do predisponente estará estribada ou na certeza de que seus interesses serão
privilegiados, ou na razoável esperança de que isso ocorrerá por outro motivo:
que futuro teria, neste novo nicho mercadológico que é o da arbitragem, o
profissional que se mostrasse, sob a ótica do empresariado, demasiadamente
imparcial? Até de forma inconsciente o árbitro tenderia a ser parcial, como
meio de assegurar a continuidade das indicações.
3.6.
Conclusão
A
desvantagem exagerada em que é colocado o aderente, como se demonstrou, traz
como conseqüência a nulidade de pleno
direito da cláusula compromissória, a teor do que dispõe o art. 51,
caput, do Código de Defesa do Consumidor, analogicamente aplicável, como já
se mencionou, aos contratos não sujeitos à disciplina do referido estatuto
legal.
Tratando-se
de nulidade absoluta, pode e deve o juiz decretá-la na primeira oportunidade em
que dela tomar conhecimento, independentemente de provocação de qualquer das
partes.
Tal
obrigação decorre das disposições contidas no art. 145, V, combinado com o
art. 146, § único, ambos do Código Civil:
"Art.
145. É nulo o ato jurídico:
...................................
"V - Quando a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito.
"Art. 146. (...)
"Parágrafo único. Devem [as nulidades do artigo antecedente] ser
pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do ato ou dos seus efeitos e as
encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda a requerimento das
partes."
O
momento mais adequado para a declaração da nulidade da cláusula compromissória,
seja pela inconstitucionalidade, seja pela abusividade, será a audiência prévia
para tentativa de conciliação e lavratura do termo de compromisso arbitral a
que se refere o art. 7º da Lei nº9.307/96. Inexistindo a possibilidade de
composição amigável e não tendo o aderente interesse na solução do litígio
por arbitragem, cujas conseqüências deverão ser expostas previamente pelo
juiz, deverá ser prolatada decisão declaratória da invalidade do pacto
adjecto em questão, seguida da extinção do processo.
*
Juiz de Direito, titular do 3º e 4º Juizados Especiais Cíveis de Porto Alegre
Notas
(1)
Art. 4º. A cláusula compromissória é a convenção através da qual as
partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que
possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.
§
1º. A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar
inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.
§ 2º. Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia
se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar,
expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo
ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.
(2)
Art. 5º. Reportando-se as partes, na cláusula compromissória, às regras de
algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada, a arbitragem será
instituída e processada de acordo com tais regras, podendo, igualmente, as
partes estabelecer na própria cláusula, ou em outro documento, a forma
convencionada para a instituição da arbitragem.
(3)
Art. 2 º. A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das
partes.
§
1º. Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão
aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à
ordem pública.
§ 2º. Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize
com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras
internacionais de comércio.
(4)
Art. 10. Constará, obrigatoriamente, do compromisso arbitral:
I
- o nome, profissão, estado civil e domicílio das partes;
II - o nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o
caso, a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de
árbitros;
III - a matéria que será objeto da arbitragem; e
IV - o lugar em que será proferida a sentença arbitral.
(5)
Ver nota 9.
(6)
Fonte: Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário.
(7)
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas
pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de
produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar
substancialmente seu conteúdo.
§
1º. A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão
do contrato.
§ 2º. Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que
alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no par.
2o. do artigo anterior.
§ 3º. Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com
caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo
consumidor.
§
4º. As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão
ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.
(8)
Como ocorre com a utilização de formulários, nas locações celebradas por
particulares, em caráter não-profissional.
(9)
Parece-me claro que não pode ser afastada a incidência de regras imperativas
ou de ordem pública, como seriam, por exemplo, as que disciplinam a proteção
contratual no Código de Defesa do Consumidor. Estando em discussão, por
exemplo, a validade de obrigação contraída com o uso de cláusula-mandato, em
hipótese alguma poderia o árbitro afastar a nulidade cominada no art. 51,
VIII, do Código de Defesa do Consumidor. De outra forma, estaria sendo criada
uma forma oblíqua de contornar a regra contida no art. 146, par. único, do Código
Civil, que veda ao juiz suprir as nulidades absolutas, ainda que a requerimento
das partes. É entendimento, aliás, que encontra ressonância no art. 2º, § 2º,
da Lei nº9.307, que permite às partes "escolher, livremente, as regras de
direito que serão aplicadas na arbitragem, desde
que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública."
(10)
Para não falar da assistência judiciária. Em que situação fica o litigante
que não tem condições de arcar com as despesas do juízo arbitral sem prejuízo
da própria subsistência ou de sua família?
(11)
Art. 13. Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das
partes.
(12)
A rigor, o primeiro momento seria quando do recebimento do pedido de designação
de audiência. Contudo, é pouco razoável desperdiçar a oportunidade de tentar
a conciliação.
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